A
Guerra do Paraguai que perdurou de dezembro de 1864 a março de 1870 considerada
por muitos um dos maiores genocídios de toda história da América do Sul, foi o
fator mais importante na construção da identidade brasileira no século passado.
Superou até mesmo as proclamações da Independência e da República. A
Independência provocou forte mobilização em apenas alguns pontos do país.
A
força de terra que lutou no Paraguai compunha-se de 135 mil soldados, dos quais
59 mil pertenciam à Guarda Nacional e 55 mil aos corpos de voluntários. Pela
primeira vez, brasileiros de todos os quadrantes do país se encontravam, se
conheciam, lutavam juntos pela mesma causa.
A coerção destes recrutamentos
sobre os voluntários, tornam-se determinante para um estudo do processo da
guerra, mas, é preciso distinguir os vários momentos dos conflitos, todavia, à
medida que os conflitos se prolongavam, reduzia-se o entusiasmo e surgiam
resistências, aumentando, em consequência, os recrutamentos.
O
Exército Imperial, em difícil condição para uma guerra nas fronteiras do sul do
pais, se viu impossibilitado de sozinho combater o inimigo agressor. Face a
debilidade das forças armadas, o Imperador D Pedro II em 7 de janeiro de 1865
pelo decreto n. 3.371 apelaria para o sentimento patriótico do povo brasileiro,
criando, para o serviço extraordinário da guerra os batalhões denominados de
Voluntários da Pátria, facilmente identificados pela chapa metálica com o
escudo imperial levado no braço esquerdo pelos soldados.
Mas, no momento inicial, houve entusiástica e
surpreendente resposta ao apelo do governo. Corpos de voluntários formaram-se
em todo o país. Descrições da partida desses voluntários indicam tudo menos
coerção. Em Pitangui, interior de Minas, 52 voluntários despediram-se em meio a
celebrações religiosas e cívicas a que não faltaram os discursos patrióticos, a
execução do Hino Nacional e a entrega solene da bandeira ao primeiro
voluntário, feita por uma jovem. Para os
pitanguenses o amor a pátria foi sempre uma religião, que devotadamente
cultivavam com afanoso acatamento.
E, por isso, pressurosamente correram ao
apelo da pátria ameaçada, e, reunidos, no Paço Municipal, a 2 de Fevereiro do
dito ano, criaram a sociedade - Amor da Pátria- cujo fim era reunir e
concentrar os recursos dos municípios, afim de que mais eficaz e prontamente
pudessem auxiliar o governo imperial no meios de defesa com que o Brasil se deveria
prevenir contra as hostilidades que porventura, surgissem da Inglaterra, bom
como contra qualquer eventualidade futura.
A
comissão conseguiu levantar logo a quantia de 2:110$000 (Dois contos cento e
dez mil réis), que posteriormente, foi aplicada às despesas do Estado com a
Guerra do Paraguai.
Em ofício de 3 de
Fevereiro de 1865, o Desembargador Pedro de Alcântara Cerqueira Leite, então
Presidente de Minas , dirigindo-se ao Presidente e Secretário da sociedade - Amor
da Pátria - cidadãos : Dr. Frederico Augusto Álvares da Silva e Joaquim Antônio Gomes da Silva Júnior,
cientificou-lhes :
-
Que autorizado pelo governo de S.M. o
Imperador louvava-os e aceitava a quantia de 2:110$000 (Dois contos cento e dez
mil réis) que, como membros da comissão da sociedade - Amor da Pátria - ,
ofereceram ao mesmo governo para as despesas do Estado .
Na
noite de 22 de Março houve uma sessão solene, imponente e majestosa no mesmo
Paço Municipal . Era a sessão , em que a sociedade - Amor da Pátria - , comovida e grata , ia estreitar em saudoso
amplexo de despedida os generosos peitos dos Bravos Voluntários de Pitangui.
Perante a sociedade compareceu a distinta jovem, Dª Rosinha, filha do digno
Tesoureiro Tenente Azevedo, empunhando uma rica bandeira , onde em caracteres de
ouro, viam se desenhadas as armas do Brasil, a
Corôa Imperial e a Legenda :
"VOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA DE PITANGUI"
O
Império do Brasil incentivou com promessas o recrutamento de homens, o que
funcionou bem nos primeiros tempos, mas não mais teve resposta desejável devido
às notícias tristes e desoladoras que vinham dos campos de batalha.
A falta de
entusiasmo marcou o recrutamento militar a partir de 1866. As autoridades sem saber ao certo como
deveriam atuar neste sentido seguiram suas intenções e interesses particulares,
econômicos ou partidários, dando provas que a ação recrutadora foi um elemento
inconstante e fluido, ao sabor da sorte e da boa vontade de seus
responsáveis.
Reconhecido pelo jeito
“ressabiado” e desconfiado, o mineiro, ao receber essas notícias, sentia temor,
e reconhecia nos agentes recrutadores uma ameaça real. Os agentes, por sua vez,
tinham o melindroso e arriscado propósito de recrutar as pessoas.
Neste sentido, percebemos que a guerra e sua
dinâmica impuseram condições nunca antes vistas: uma relação entre “necessidade
e limites”, o que marcou decisivamente aqueles tempos.
Itaúna
pertenceu administrativamente ao município de Pitangui, como não podia deixar
de ser, deu também os seus voluntários para a Guerra do Paraguai.
Segundo nos informa o historiador Dornas Filho, já
se sabia como era feito esse voluntariado
"sui-generis" : o cidadão era preso pelas autoridades encarregadas do
serviço e, se não merecesse confiança, era metido a ferros e conduzido à
Pitangui, sede do recrutamento da zona.
Muitos
conseguiram fugir ao recrutamento, como se deu com Evaristo Cunha , que se
escondeu, durante muitos dias, na capela do Senhor do Bonfim; outros não. O voluntário José Alves Galdino foi preso
pelos chimangos (o partido liberal que estava no poder) e conduzido para
Pitangui; mas , informa a tradição, que, em lá chegando, usou de um recurso
extremo : atochou-se com uma bucha de alho, e febril, foi considerado incapaz.
Regressou à Sant'Ana (Itaúna) , onde faleceu pouco depois, em consequência
desse estratagema ...
Outros,
entretanto, seguiram para o teatro da luta e prestaram serviços até o fim. São eles :
O
Sargento Basílio Domingues Maia, conhecido pela alcunha de Bá ; o Furriel
Joaquim Mariano Villas Boas e o mestre Januário, o Caraco, professor de
primeiras letras, que dava aula envergando o uniforme. E este foi o único
recompensado , com essa cadeira de mestre escola, pois os outros morreram em
extrema miséria, desamparados pela Pátria, que serviram com heroísmo e
desinteresse.
Essa
complexidade pode ser vista num oficio enviado para o presidente da província
de Minas Gerais pelo Comandante Superior de Pitangui no dia 23 de Novembro de
1866, em que esta autoridade reclamava do total descaso para com as ordens do
recrutamento:
”Com
pesar levo a presença de V. Exa que os Guardas designados no 12° batalhão para
o serviço da guerra não aquartelarão se
hontem, como havia sido ordenado ao Chefe do mesmo Corpo. Esta falta não he so
filha do desamino, do terror, e da repugnância que se nota nos Guardas
Nacionaes para o serviço de guerra; he talves antes devida a froxidão dos
officiais, que apesar das mais terminantes ordens, não tem elles comprehendido
nossa situação e a responsabilidade que nos cabe.
He ella sem duvida ainda a
falta de interesse, a indiferença com que as autoridades policiais tem encarado
este tão importante serviço, e para provar que digo refiro o ultimamente
passado com o Delegado de Policia deste Termo João Evangelista de Oliveira a
quem communicando eu hontem a participação que me fes o Alferes Commandante do
Destacamento que constava lhe haverem grupos de povo armado nos subúrbios da
Cidade para opporem embaraços a prisão dos designados nenhuma providencia me
consta fosse tomada, nem ao menos se dignou aquella autoridade responder o meo
officio.
Assim he que contando os designados com a froxidão da Policia, com a
dos officiaes facilmente se negão ao cumprimento de seos deveres. Fiz já
extrair a relação dos designados, remettia ao Delegado de Policia de quem
solicitei a prisão, e ordenei terminantemente ao Chefe d’aquele Batalhão que
debaixo de sua responsabilidade os fisesse imediatamente prender, empregando
para isso a força destacada."
Ofícios
e mais atos do Governo sobre o recrutamento 1867-1868. SP-1272. Secretaria de
Estado dos Negócios da Guerra. 10 de junho de 1867. APM
Ao
examinar o recrutamento dos guardas nacionais, essas questões são latentes,
isso por que a Guarda Nacional era composta, em tese, por homens de bem e com
renda, e por essa razão a possibilidade de estarem na relação de protegidos das
autoridades era maior. Da cidade do Serro, um agente recrutador noticia ao
presidente da província das dificuldades do recrutamento e revela que certas
autoridades daquela região se comportaram de maneira contrária aos interesses
do governo desestabilizando o envio dos guardas nacionais:
"Faço
os exforços humanamente possíveis afim de que o contingente de Guardas
Nacionais que tem de dar este Commando Superior esteja na Corte ate meados de
Dezembro próximo, como exige o Governo e recomenda V. Exa no officio de 13 do
passado: entretanto releve V. Exa que eu ainda um vez insite pelas medidas, que
por varias tenho representado em favor do serviço publico e da Guarda Nacional
sob meu Commando.
Aguardo o ultimação das designações para longa e
succintantemente expor a V. Exa o inqualificável comportamento de alguns Chefes
de Corpos e officiaes, que regando-se aos mais insignificantes serviços
trouxerão sérios embaraços ao prompto e necessário expediente."
Ofícios e mais papeis dirigidos ao Governo
sobre a força pública (Novembro-Dezembro de 1866). SP-1145. Cidade de Pitangui
23 de Novembro de 1866. APM.
Dessa
maneira, a crise na prestação militar gerada pela necessidade da guerra acirrou
ainda mais as relações entre as partes envolvidas. Fugas, desaparecimento para
as matas, inúmeros pedidos de isenção e o desentendimento das próprias
autoridades propiciaram o descontrole do objetivo proposto: o esforço para se
fazer a campanha.
Os
voluntários da pátria passaram a contar com recrutamento forçado, instituído
por chefes políticos locais e a oficiais da Guarda Nacional, que obrigavam o
alistamento de seus opositores. Cada província foi solicitada prover, no
mínimo, 1% da sua população .
Quem estivesse cambaleando em alguma esquina
poderia levar uma repentina paulada na cabeça, e acordar com uma espingarda na
mão, a caminho da guerra.
De qualquer forma, havia várias formas de se escapar
da convocação: os aquinhoados faziam doações de recursos, equipamentos,
escravos e empregados para lutarem em seu lugar; os de menos posses alistavam
seus parentes, filhos, sobrinhos ou agregados; aos despossuídos só restava a
fuga para o mato.
O
uso de escravos para lutar em nome de seus proprietários virou prática
corrente. Estima-se que mais de 20 mil escravos tenham lutado na Guerra do Paraguai.
O número representa cerca de 16% dos soldados brasileiros.
Além
disso, sociedades patrióticas, conventos e o governo passaram a comprar
escravos para lutarem na guerra. O império prometendo alforria para os que se
apresentassem para a guerra, fazendo vista grossa para os escravos fugidos.
É
inegável a força da guerra como elemento de formação da identidade brasileira .
Mas é de lamentar que, além dos milhares de mortos, o processo tenha custado
ainda o preço da desumanização do outro .