quinta-feira, maio 04, 2017

MILHO, FEIJÃO & DOIS PILANTRAS EM ITAÚNA


Rameh Gonçalves Machado, enquanto viveu (e foram só vinte e três anos) foi uma figura emblemática em Itaúna. Éramos da mesma idade. Nascidos em 1943, diferença de poucos dias. Eu de setembro e ele de outubro. Fomos colegas de primeiro ano primário no Grupo "de cima". Fui transferido para o Grupo " de baixo" e ele estancou no primeiro ano. Se foi além, desconheço.
Não que seus pais não quisessem. Fugiu de vários colégios. A sua fuga de Cachoeira de Campo próximo a Ouro Preto foi uma epopeia. Assunto para outra história. Dos sete anos de idade até sua morte fomos amigos inseparáveis. Para o bem e para o mal, com preponderância para a segunda parte.
Quando terminei o ginasial, fui para Belo Horizonte fazer curso científico. Nos finais de semana nos quais eu estava em Itaúna, sempre nos reuníamos. Farras a mais não poder. Começamos a beber cedo. Com catorze, quinze anos já bebíamos bem. No final de 1959, já de férias, aprontávamos todos os dias. Farras de adolescentes e inconsequentes. Éramos apontados como "irrecuperáveis". Dor de cabeça para os pais.
Rameh era o caçula de sua casa. O foi por muito tempo. O quinto de cinco irmãos, perdeu o posto para um irmão temporão, dez anos mais moço.
As farras diárias incomodaram seu irmão mais velho, de nome Ubirajara. Nos chamou no canto e deu-nos um ultimato. Parar com as bebedeiras, passar uns dias na fazenda da família e fazer algo de útil. Nos disse que lá ainda tinha um "restolho" de milho na roça.
Tarefa — tirar o milho, debulhar e ensacar. Ele compraria o milho na nossa mão. Trabalhávamos e ainda ganhávamos um " troco". Era pegar ou largar.
Fomos pra a roça. Não tínhamos preguiça. Em pouco tempo demos conta do "riscado”. Milho ensacado e vendido, dinheiro no bolso e lá fomos nós para os Garcias tomar umas e outras. Afinal, ninguém é de ferro.
Com dois ou três dias já estávamos " duros". Fizemos uma conta na venda e voltamos pra roça, de caso pensado.
No final do governo JK, o Brasil passava por uma crise no abastecimento de feijão. Importamos feijão do México. O grão estava caro.
Na fazenda havíamos visto dois tambores de querosene abarrotados de feijão. Mais de trezentos quilos. Propriedade do Ubirajara.
Não deu outra. Negociamos o feijão com o Serafim que tinha uma venda no início da rua Silva Jardim. Vendeiro bom de prosa em pouco tempo espalhou na cidade que tinha um bom estoque do cereal. Novo e bom de panela. De quebra contou para meia Itaúna a origem do feijão. De imediato, chegou no ouvido do verdadeiro dono.  Arribou para o "retiro". Correu com o Rameh e comigo de pronto. Sob ameaça de um bom relho de rabo de tatu, arriamos um cavalo do pai do Rameh, o velho Sadi Machado e tocamos para a cidade sem olhar pra trás.
No meio da viagem o Rameh fez o convite e aceitei de pronto — Já que estávamos " enrolados" porque não vender o cavalo arriado. Não pensamos duas vezes. Nos Garcias negociamos o baio por quinze mil cruzeiros. Um bom dinheiro para mais uma semana de farras.
O velho Sadi Machado teve de desembolsar dezoito mil e quinhentos cruzeiros para ter a montaria de volta!!!!


*Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 04/05/2017. Acervo: Shorpy

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