quarta-feira, junho 28, 2017

MEMÓRIAS CINE REX PARTE II


*Maria Lúcia MENDES

Demoliram o Cine Rex. Seguindo a lei natural de todas as coisas, o nosso mais antigo cinema chega ao fim. Em seu lugar, o progresso elevou um edifício majestoso, modificando assim a paisagem da praça da matriz. Instalado no antigo teatro Mário Matos, cujas temporadas marcaram época e nossa terra, o Cine Rex tem seu lugar reservado na lembrança de cada um. Ponto de encontro da juventude que ali se reunia, olhando os cartazes, ou discutindo sobre este ou aquele filme, o velho cinema foi cúmplice de muitos sonhos e romances.
Filmes notáveis, tendo como protagonistas artistas consagrados, levaram multidões ao cinema. E as filas da bilheteria se alongavam, todas na expectativa de conseguirem um ingresso. À tardinha, logo, que as luzes da praça se acendiam, podia-se ouvir uma voz familiar através do alto falante: Senhoras e senhores, boa noite. O Cine Rex anuncia para hoje...
E vinha a seguir o prefixo musical: “Não levo outra vida, pescando no rio jereré... Tem peixe bom, tem siri-patola, que dá com o pé... Se compro na feira feijão, rapadura, pra trabaía... eu gosto do rancho e o homem não deve se amofiná... Quando no terreiro, faz noite de luar...”
Em pouco tempo a casa estava repleta e um vozerio alegre dominava o recinto. Muitos, por questão de hábito, assentavam-se sempre nos mesmos lugares, não faltando os pontos estratégicos preferidos por casais de namorados. Às sete da noite em ponto, tinha início a primeira sessão.
O vozeiro cedia lugar ao silêncio entrecortado apenas por um ou outro assobio que vinha sempre da geral. Nisto, surgia na tela o leão da Metro ou a estátua, símbolo da Columbia Pictures. Ai, cada um se acomodava melhor, fazendo ranger as poltronas gastas.
Todas as atenções se concentravam na tela. E mergulhávamos todos num mundo diferente de sensações estranhas onde o ódio, o amor, o tédio, a vingança se mesclavam em realidade e fantasia. Nenhuma outra arte, até hoje, exerceu tanto fascínio entre as pessoas quanto o cinema.
Como esquecer o gênio Charles Chaplin no adorável papel de vagabundo? E o mundo inteiro aplaudiu o indiscutível talento de Carlitos. Os musicais com Fred Astaire, o fabuloso “Quo Vadis?” e sua longa projeção, a história triste de Sansão e Dalila...
E o desfile continuava. Na passarela dos sonhos, astros e estelas, em pleno apogeu, eram os ídolos de nossa juventude. Fascinava-nos a beleza de Elizabeth Taylor, a exuberância de Marilyn Monroe, a sensualidade de Brigitte Bardot, o encanto dos galãs como Jeff Chandler, Tony Curtis e Marlon Brando.
Desejando proporcionar aos itaunenses maiores atrações, o Cine rex teve suas noites de glória. Nomes famosos passaram por aquele palco: Vicente Celestino, Ângela Maria, Nelson Gonçalves e o maior cômico que o cinema brasileiro conheceu – Oscarito.
A dupla Oscarito-Grande Otelo fazia vibrar o público, tornando as chanchadas da Atlântida um sucesso à parte. Era a fase de glória do cinema nacional que fez de seus artistas verdadeiros ídolos populares. Quantos momentos felizes nos proporcionou aquela casa de espetáculos!
Na sua simplicidade, sem o conforto dos cinemas das metrópoles, conheceu espectadores os mais diversos. Os adeptos do Zorro e de Tarzã na matinê das dez. Os que não perdiam da os faroestes e vibravam com a valentia de John Wayne e Alan Ladd. Nas cenas de bang-bang, quando o bandido vencia o mocinho, os ocupantes da geral gritavam e batiam os pés em tremenda algazarra. E para dissipar tristezas, nada como as divertidas comédias com Os Três Patetas, o Gordo e o Magro... Demoliram o Cine Rex. Afinal, tudo passa. 

* Escritora itaunense por herança e registro.



Texto transcrito do livro: MACEDO, Maria Lúcia mendes Vera. Pedra de Cetim, BH, Gráfica e Ed Cultura, 2001, p.45,46.
Acervo: Professor Marco Elísio Chaves Coutinho
Organização: Charles Aquino


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