domingo, julho 16, 2017

ITAÚNA: CIDADÃOS HONORÁRIOS 1962


CRIAÇÃO DO TÍTULO DE CIDADÃO ITAUNENSE

O Povo do Município de Itaúna, por seus representantes decreta e eu, em seu nome sanciono a seguinte lei:

Art. 1º — Fica criado o título de cidadão itaunense, a ser conferido as pessoas que não nasceram em Itaúna.

Art. 2º — Para a concessão do título, a Câmara de Vereadores designará uma comissão com a finalidade de estudar toda a vida do homenageado.

Art. 3º — O título somente será concedido à pessoa que tenha contribuído com o seu trabalho material e espiritual, para o bem de Itaúna.

Art. 4º — Poderá a Câmara conceder o título de cidadão itaunense a pessoa que tenha se projetado no cenário nacional.

Art. 5º — De nenhum modo será concedido o título de cidadão intaunense a pessoa que, não tenha contribuído de qualquer modo para o progresso ou bom nome de Itaúna.

Art. 6º — Revogadas as disposições em contrário, entrará esta lei em vigor na data de sua publicação.

Mando, portanto, a todas as autoridades que o conhecimento e execução desta lei pertencer, que a cumpra e façam cumprir como nela se contem ou declara.

Prefeitura Municipal de Itaúna, 22 de Maio de 1962
Célio Soares de Oliveira — Prefeito Municipal



PRIMEIRO TÍTULO CIDADÃO ITAUNENSE

O Povo do Município de Itaúna, por seus representantes decreta e eu, em seu nome sanciono a seguinte lei:

Art. 1º — Fica concedido o título de cidadão itaunense aos reverendíssimos padres Waldemar Antônio de Pádua Teixeira e José Ferreira Neto.

Art. 2º — Ficam reconhecidos os grandes benefícios que prestaram a coletividade itaunense.

Art. 3º — Revogadas as disposições em contrário, entrará esta lei em vigor na data de sua publicação.

Mando, portanto, a todas as autoridades que o conhecimento e execução desta lei pertencer, que a cumpra e façam cumprir como nela se contem ou declara.

Prefeitura Municipal de Itaúna, 22 de Maio de 1962
Célio Soares de Oliveira — Prefeito Municipal

JUSTIFICATIVA

Muitos homens já passaram por Itaúna, construindo indústrias, edificando fábricas, modificando o aspecto de nossa urbs, elevando o nome de nossa cidade.

Muitos que não nasceram aqui, trabalharam para o nosso progresso e deixaram seus nomes ligados a diversos setores de nossa cidade.

No entanto, senhores vereadores, dois nomes estão definitivamente ligados a história de Itaúna e nos corações de todos os itaunenses — Pe. Waldemar Antônio de Pádua Teixeira e Pe. José Ferreira Neto.

O que fizeram?  Não há necessidade de enumerar, desde a casa do milionário a do mais pobre dos itaunenses, que seja patrão ou operário, intelectual ou trabalhador braçal, todos sabem.

Vestem o mesmo hábito e comungam os mesmos princípios, padres no verdadeiro sentido da palavra, verdadeiros mediadores entre Deus e os homens, vivem a aspergir sobre Itaúna as graças de Deus e criar entre seus filhos paz e harmonia.

Devemos –lhes em grande parte, esta nossa formação católica e temos certeza, a mocidade de Itaúna nesta época da J.T. deve grande parte de seus triunfos a estes dois homens de Deus.

Se nada tivessem feito de material, sem nenhum marco de pedra deixassem em nossas ruas, se nada tivessem feito para a beleza externa aparente de Itaúna, ainda assim seriam os seus nomes os mais dignos, os mais merecedores, para receberem o nome de cidadão itaunense.

Padre Waldemar Antônio de Pádua Teixeira: Uma lenda de santidade e todos os corações itaunenses — a nossa população já o considera santo que caminha por nossas ruas, entra em todas as nossas residências, sorri para todas as nossas crianças, conforta a todos os nossos doentes e ama a todos os itauneses, sendo mais itaunense do que muitos de nós que aqui nascemos. Ama Itaúna, ama seus filhos e ama sua história.

Padre José Ferreira Neto: Que dentro em breve dias, completará 25 anos de sacerdócio, cativa Itaúna inteira por sua simplicidade, por sua dedicação incansável a causa de Deus, vive de sua fé, trabalhando para Deus e para Itaúna. Quem não o conhece? Quem não o admira? Quem não sabe que sua vida é uma prece contínua de trabalho, de exemplo pairando sobre toda a cidade?  

Senhores vereadores, o título de cidadão itaunense não foi conferido ainda e é uma honra grande demais para ser conferida a qualquer um, mas, para representar a nossa gratidão a estes dois santos homens — Pe. Waldemar Antônio de Pádua Teixeira e Pe. José Ferreira Neto.

Por isso e pelo que todos os itaunenses sabem, ao ensejo das festas das bodas de prata de sacerdote do Pe. José Ferreira Neto, itaunense, por nosso intermédio, meu e desta Câmara de Vereadores, queremos demonstrar um pouco de nossa gratidão, a estes dois homens de Deus, fazendo – nos, pelo menos honorariamente filhos de Itaúna.

Nada mais justo, ao ensejo deste grande acontecimento da vida sacerdotal do Pe. José Ferreira Neto.

Assim o jugando, levamos a consideração desta Câmara o anexo do projeto de lei.

Itaúna, 22 de Maio de 1962
Dr. Célio Soares de Oliveira — Prefeito Municipal







REFERÊNCIAS:

Organização: Charles Aquino
Acervo Documental: Câmara Municipal de Itaúna
Acervo Fotográfico: Fotógrafo Antônio Gomes, Prof. Sérgio Machado
Foto Ilustração: Veja Folha e Charles Aquino


quarta-feira, julho 12, 2017

ESPORTE CLUBE DE ITAÚNA


Creio que pouca gente em Itaúna se lembra que o Esporte Clube de Itaúna foi vice-campeão da segunda divisão do certame mineiro.
Naquele tempo, não se falava em series A,B,C, etc.. Tempo de aspirantes, amadores e profissionais. O Esporte era profissional. Jogou as semifinais contra o Paraense de Pará de Minas. Disputa dura e muita briga. As duas cidades tinham uma velha rixa. Assisti a segunda partida. Na beira do alambrado. O Esporte ganhou e os "Patafufos" saíram corridos.
A final foi jogada contra o Nacional de Uberaba, time que talvez ainda exista. O Esporte, não sei. A primeira partida foi em Itaúna. Jogo empatado. O segundo embate foi na Terra do Zebu. Viagem longa a ser feita por avião.
Na véspera os atletas do Esporte foram de ônibus para Belo Horizonte. No dia seguinte, um sábado, embarque para Uberaba. Dizem os fofoqueiros que teve "cartola" que levou guarda-pó. Intriga dos paraenses. Que eu saiba, no céu nunca teve poeira.
Embarcaram na Pampulha num DC3 da Real Aerovias. Primeira viagem de avião na vida. Muito emoção e tremedeira. Correu tudo muito bem. Acrescente-se que o DC3 foi um avião que marcou época. Dos mais seguros já construídos.
Em Uberaba, a brava equipe itaunense hospedou-se no Grande Hotel, na avenida principal. O melhor da cidade. Existe ainda nos dias atuais. O jogo seria no domingo, às dez da manhã. Para não coincidir com os jogos da primeira divisão. Na hora do jantar, desceram todos para o refeitório. Todo mundo " varado" de fome. Afinal, não tinham almoçado e o lanche do avião mal dera para tampar os buracos dos dentes.
Naquele tempo, no jantar, era costume servir uma sopa de entrada. João Aprigio, grande e forte, " beque de espera" ao ver a sopa reclamou com os colegas:
"sem almoço e tendo jogo amanhã de manhã e só uma sopinha. É muito pouco!!!"
Dito isso, apanhou uma farinheira e despejou farinha a vontade no prato. Fez um baita grude e comeu tudo. Depois da sopa, aparece de novo o copeiro a retirar os pratos e colocar outros, bem limpos e talheres. O Aprigio então se dirigiu aos colegas: " vamos desocupar a mesa, pois parece que tem mais gente para jantar".
Foi aí que veio a grande surpresa. Um dos "cartolas" informou para o atleta que o que seria servido era para o time. A sopa era só a entrada. Aprigio não pestanejou. Procurou o banheiro mais próximo, enfiou o dedo na goela e botou toda sopa com farinha pra fora. Lavou a boca e voltou pra mesa. Comeu de tudo e ainda repetiu.
Uma nota: se não me trai a memória, o Esporte perdeu a partida. O segundo jogo foi em Itaúna. Os de casa ganharam. O desempate foi em Belo Horizonte, no campo do Cruzeiro, no Barro Preto. No dia primeiro de abril de 1964. O País convulsionado pelo Movimento de 31 de março. O Esporte Clube de Itaúna perdeu o jogo e o campeonato.

*Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 08/07/2017.

Acervo: Prof. Marco Elísio


segunda-feira, julho 10, 2017

CEMITÉRIO SANTANENSE


Art. 1º — Fica a Prefeitura Municipal autorizada a construir o cemitério público de Santanense, bairro desta cidade.
Art. 2º — O terreno terá a área de 3.750 m2 (três mil setecentos e cinquenta metros quadrados e terá as confrontações, valor e localização:
Ø  Localização: quarteirão nº 2
Ø  Lote da rua “A” divisando com terrenos do sr. Geniplo Dornas
Ø  Propriedade da Companhia de Tecidos Santanense
Art. 3º — A Companhia de Tecidos Santanense fará a doação do terreno mencionado.
Parágrafo único — A prefeitura designará um técnico para o levantamento da respectiva planta, da qual constará todos pormenores, inclusive construção de muros em volta.
Art. 4º — Outras formalidades obedecerão ao que preceitua o Código de Posturas Municipais em artigos 210 a 246.
Art. 5º — Revogadas as disposições em contrário, a presente lei entrará em vigor na data de sua publicação.


JUSTIFICATIVA:
O povoado de Santanense dista três quilómetros da sede do município. Existe no povoado uma fábrica de Tecidos que emprega uma média de 800 operários, ou seja, 2.400 pessoas, tendo em vista a família dos operários.
No caso de falecimento de algum operário ou de pessoa de sua família, torna-se dificultoso o enterramento no cemitério da cidade.
Facilitada pela Companhia de Tecidos Santanense, pode a Prefeitura, sem grandes despesas, construir no subúrbio citado um cemitério.
Sala das Sessões, 30 setembro de 1948
Cirilo Ribeiro da Silva: Vereador pelo P.T.B.




REFERÊNCIAS:
Pesquisa: Charles Aquino e Patrícia Gonçalves Nogueira.
Organização: Charles Aquino
Acervo: Câmara Municipal de Itaúna
Fotografia: Charles Aquino
Equipamento de trabalho: Celular Motorola XT1097 – MotoX – Velocidade ISSO-50, Distância focal:4mm Abertura 2,3, sem flash, Distância focal 35mm


sábado, julho 08, 2017

FRANGO DE DOMINGO



Nos anos cinquenta, frango era comida de domingo. Aliás, o cardápio do ajantarado, uma mistura de almoço com jantar, tinha frango, arroz de forno e macarronada. Falar em comer "uma massa" é palavreado moderno. Comia-se macarronada. Nas casas de ascendência italiana, o macarrão era feito em casa. O rolo de madeira, conhecido como rolo de pastel, na verdade é o " pau do macarrão".
Voltemos ao frango. Comida cara naqueles tempos de famílias numerosas. Tão caro a ponto de existir o ditado: "pobre quando come frango é sinal de doença nele ou no frango!!!!"
Apesar de quase todas as casas terem na época, galinhas no terreiro e por consequência frangos, eram os tais "caipiras", criados soltos, tratados com milho, sobras de comida, sobras de verdura, ciscando e " pastando" no quintal. Demoravam a crescer e chegar no ponto de abate. No mínimo seis meses ou até mais. Isso, se não morressem antes de doenças. Bouba aviária, doença de "new castle", caroços e outras pestes. Quando apareciam, dizimavam a criação, sem dó nem piedade.
O brasileiro tinha uma inveja danada do americano do Norte. Lá, em razão do desenvolvimento de várias raças, a carne de frango era a mais barata. Comida comum, tanto quanto os hambúrguers e as salsichas.
O frango era abatido de véspera. No sábado, a dona de casa apanhava o desditado. Na cozinha de fogão a lenha, já tinha na trempe uma panela grande com agua a ferver. Pegava o galináceo e no chão da cozinha com o pé direito prendia as duas asas do "sacrificado" e com o pé esquerdo imobilizava os pés da ave.
Feito isso, com uma das mãos pegava a cabeça do bicho e esticava o pescoço do frango. Com a outra mão, devidamente munida de uma faca, arrancava penas do pescoço, deixando a mostra a jugular da ave. Um corte certeiro e o sangue fresco escorria num prato colocado ali para tal serventia. Depois de sangrado, não demorava fechar os olhos. Morto e bem morto.
De imediato era mergulhado na água fervente. A fervura amaciava as penas e em pouco tempo já estava depenado. A penugem remanescente era sapecada no fogo. Bem pelado, hora de abrir o galináceo. Tirar a "barrigada" e descartar. Separar fígado, moela e coração. Se era para ser assado, aproveitar os miúdos para colocar na farofa. Se era para ser feito ensopado, cortar a ave em pedaços, sempre pelas "juntas" para separar coxas, sobrecoxas, asas, contra-asa. A parte mais nobre era o peito, depois o "sobre" e o Santo Antônio. A carcaça com as costelas e os pés, pedaços piores.
Por fim, abrir a moela, retirar a sujeira, tirar com a faca a parte interna, dura e amarga. Jogar água quente em todas as partes e lavar bem lavado. Em seguida, passar um limão capeta em toda a ave e preparar a "vinha d'alhos", com os temperos. Temperar bem e deixar na "marinada". No dia seguinte, jogar na panela. Em tempo: se a receita fosse de frango ao molho pardo ou "cabidela" como preferem os portugueses e os nordestinos, o sangue tão logo aparado no sangramento, carecia de um pouco de vinagre para não "talhar". Sem sangue não tem molho pardo.

Duas notas
Receitas e temperos ficam para outra ocasião. Em Minas Gerais a preferência é do Frango com quiabo e angu ou do Frango ao molho pardo. Assado, normalmente era recheado com a farofa de miúdos. Frito na gordura de porco bem quente, tomou o nome de Frango a passarinho. Nessa receita, as partes são cortadas em partes menores e as vezes, empanadas com ovo batido e farinha de rosca.
Frango vai bem com quase todos os acompanhamentos. A dificuldade era sempre da dona de casa. Tinha de cumprir todas as tarefas listadas acima e depois dividir com sabedoria de Salomão, os pedaços para a família.
Na repartição no almoço, as preferências eram observadas. O pai da família gostava mais do "sobre". Asas, coxas, sobrecoxas, Santo Antônio, distribuídas aos filhos. O peito era disputado. Dentro dele tem um osso, vulgarmente chamado de aposta ou jogo. Depois de bem limpo e seco, servia para uma disputa. A dificuldade maior era no domingo em que havia visita. Era a tão temida hora de um ou outro filho dizer que não gostava de frango e ter a sua parte no prato da visita. Enorme frustração.

*Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 07/07/2017.

Acervo: Shorpy

segunda-feira, julho 03, 2017

ITAÚNA: ESCOLA NORMAL


*Maria Lúcia MENDES

Tempo de estudante. A vida, uma alegria, o futuro um mundo que ainda fica do outro lado. A Escola Normal, um Ateneu de Raul Pompéia, com duas diferenças: sem internato e sem a figura doentia de Aristarco.
Internato houve, em épocas passadas, com irmãs de caridade no comando e moças de várias cidades que aqui chegavam para completar seus estudos. Da querida escola guardamos lembranças boas da juventude, mas certas marcas que não se apagam como de alguns professores, que apesar da competência exageravam na rigidez. Havia aulas que nos causavam medo: desde a véspera, ensaiávamos lições até à exaustão. Medo de ganhar zero, de ser chamada à frente e do vexame; medo, medo...
Aprendizagem sofrida, mas que valeu a pena pela formação e conhecimentos adquiridos. Em compensação, certas matérias davam gosto de serem estudadas tamanha a capacidade e eloquência dos que as lecionavam, transportando-nos para o mundo inteiro, numa época em que o material didático era somente livros e um mapa pendurado na parede.
Num relance percorríamos as geleiras dos Andes, as margens férteis do Rio Nilo para desembocarmos atônitas na misteriosa floresta dos Incas, a colonização das Américas, a tragédia do Titanic. Trabalhos manuais, canto orfeônico, desenho, todas estas matérias reprobatórias, além de latim, inglês e francês...
“Le matim maman n’appelle. George, leve toi”. Quanto suor frio e leitura gaguejada, a fala não saía.
— Tome de mim a segunda declinação.
— Servus, servorum.
Quantas noites a fio varávamos o livro aberto, estudando para a prova da manhã seguinte. Em junho, realizavam-se as provas parciais que todos temiam por terem peso dobrado.
No final do ano, apôs as provas escritas, todos os alunos eram submetidos a exames orais de todas as matérias. Se a turma fosse numerosa, as provas prolongavam-se até à noite, os alunos e fila para confessionários. Diante da banca examinadora sorteávamos trêmulas um ponto, cujo número vinha escrito em papeizinhos enrolados.
— Ponto sorteado número cinco. Falar sobre ciclos econômicos do Brasil. São muitas as lembranças de quando lá estudávamos. Revejo as salas de cadeiras duplas, os corredores, uma escadaria de madeira que dava acesso ao segundo andar, o museu, lugar fascinante, onde tudo era novidade, pois não nos cansávamos de contemplar animais embalsamados entre eles um tamanduá, além de aves de lindas plumagens empalhadas com arte e cobras enormes mergulhadas em formol. Dava pavor aproximar-se dos vidros e alguns não se arriscavam cismados que as serpentes pudessem avançar.
Havia também uma infinidade de conchas, pedras e ovos à mostra em mesas com tampas de vidro. Um farto material companha o cenário das aulas de ciências e anatomia, por sinal, muito agradáveis e curiosas. Achávamos o máximo estudar bactérias através dos microscópicos. Era divertimento geral chuchar as penas de um esqueleto em tamanho natural, preso ao teto por uma corrente. Depois corríamos assustadas para vê-lo de longe chocalhando a ossada.
Vez por outra burlando a vigilância, corríamos até o jardim para tentar um jacaré que vivia no repuxo. Sob uma chuva de gominhas atiradas em suas costas o bicho mergulhava procurando refúgio. Para variar jogávamos nele uma ou outra flor apanhada às escondidas ali mesmo e caíamos na risada quando o víamos voltar com a flor agarrada nas costas.
— Meninas, já pra sala! Não ouviram o sinal? Era Dona Carola com aqueles olhos muito azuis e voz mansa.
Juventude sadia, sem o flagelo das drogas, sem o consumismo desenfreado, e os exemplos negativos da televisão. Tínhamos sim, a inquietude própria da idade, e uma preocupação constante: ficar em exames de segunda época. No mais, sem angústia ou revolta, aceitávamos e bem -  tênis surrados, livros de segunda mão e bolsos sempre vazios.
Durante todo o ano, a escola cumpria extensa programação. Além das comemorações cívicas — principalmente sete de setembro — realizado com grande entusiasmo — havia as semanas pedagógicas em sessão solene no salão. Conferencistas famosos em todo o Estado enriqueciam o evento e entre uma palestra e outra intercalavam-se números de canto e poesia acompanhados ao piano pelo Padre Luís.
Realizavam-se ainda concursos de oratória, exposições de trabalhos manuais que atraíam centenas de visitantes. Por ocasião da festa de Páscoa, nas procissões de Corpus Christi, vestíamos o uniforme de gala com luvas e tudo. Participação em massa pois havia chamada e a falta sem justificativa era suspenção na certa.
Durante o recreio o pátio pipocava em algazarra. Espalhados aqui e ali, os grupinhos de sempre. Nas filas do bebedouro, empurrões e brincadeiras, enquanto o galpão ficava apinhado de alunos, merendando. Vez por outra aconteciam as famosas guerras de limões-capetas roubados no quintal de seu Tonico e atirados lá do galpão, sobre a turma do pátio.
Questão de segundos, dava-se o troco e num vaivém medonho, os limões zuniam sobre nossas cabeças indo se espatifar no chão. Quando a guerra estava no auge, uma voz conhecida, punha água à fervura. As autoras da “revolução” ficavam após o término das aulas, empunhando vassouras, enquanto o restante amargava-se de castigo sob um sol de rachar.
Foram muitas as emoções vividas naquele pátio: recados amorosos, trocas de ideias, planos.... Foi também ali que, posto em fila obedecendo a um sinal dado fora do horário ouvimos a voz embargada do diretor:
— Faleceu o Exmo. Sr. Presidente da República Doutor Getúlio Dornelles Vargas.
Um silêncio pesado dominou a tudo e a todos. Era 24 de agosto de 1954.
Assim era nossa escola. Ali vivia-se intensamente o que disse Ovídio Decroly : “A escola da vida, para a vida e pela vida!. Longe de um simples slide, desconhecendo por completo xerox e informática, percorríamos o mundo inteiro graças às riquezas de detalhes passados pela professora de Geografia, dando-nos a impressão de estarmos diante de uma tela.
Tempos depois terminado o ginasial, ingressamo-nos no Curso de Formação de Professores. O magistério nossa acenava, e cheias de ideais fomos em busca de um futuro melhor.
— Minhas alunas vocês juram que nunca darão aulas passivas? Vou fazê-las pôr a mão sobre a Bíblia e jurar.... Saudosa professora, a de Metodologia do Ensino. Pequenina, dinâmica, ao toc toc de seus sapatos de salto zarpávamos aos bandos sala a dentro, assentávamos num segundo, fazendo caras de santa.
Como D. Graciana não se cansava de repetir: “ O Brasil precisa de professores capazes” e “a motivação é mola real da aprendizagem”.
Escola Normal: se suas paredes falassem quantos sonhos de nossa juventude você relaria. Quantas ilusões e esperanças mortas perambulam como fantasmas naqueles corredores. Saudade sepultada pelo tempo, onde entre uma aula e outra sonhávamos com Elvis Presley dançando o rock e Marlon Brando enfeitiçando nossos corações de adolescente. Tempo inesquecível; quando os sonhos ainda eram verdades.

* Escritora itaunense por herança e registro.

Fonte: MACEDO, Maria Lúcia mendes Vera. Pedra de Cetim, BH, Gráfica e Ed Cultura, 2001, p.66,67,68,69.

Acervo: Shorpy

domingo, julho 02, 2017

FUTEBOl: VICENTÃO & BUTÃO

Partida de futebol em Santanense: “Souza Moreira x Esporte Clube”.
  Grande defesa do goleiro Murilo José, camisa 20.  

Vicentão era pedreiro, pintor, massagista do "José Flávio de Carvalho F.C." e centro-avante nas partidas disputadas nos arredores de Itaúna. Estatura mediana e muito parrudo. Daí o apelido. Como massagista, diziam que dispensava o álcool para friccionar as caneladas desferidas nos atletas. Bastava um "bafo" caprichado na perna dos lesionados. Bebia muito. Boa gente, alegre e brincalhão.
Butão era "socado", baixinho atarracado. Profissão indefinida. Prendas diversas, conhecida nos dias atuais como Serviços Gerais.
Arranjaram um jogo num domingo no Pasto das Éguas. Campo de terra, rodeado de poucas casas e plantações ao redor. Iriam jogar contra o time do Zico Pé de Chumbo, figura emblemática do lugar. Trabalhava na fazenda do Antônio Chaves e tinha a honra e soberbia de ser compadre do Athos Jove, filho do patrão, cultor da língua francesa. Zico aprendera algumas palavras do idioma de Flaubert e quando tomava umas pingas esnobava os vizinhos, repetindo como papagaio, palavras na língua gaulesa.
O time do Vicentão se ajeitou na carroceria de um caminhão do Alfredo Lopes. O motorista era o Cumbuca, filho do Alfredo. Transportava o time sem cobrar. Enquanto assistia ao jogo, tomava umas cachaças e se divertia.
O jogo estava duro. Sol quente, já perto do meio-dia e nada de gols. Goela seca dos atletas. Secura de pinga, que água não cura.
Quase no fim do jogo a bola foi chutada pelo time do Zico numa plantação de abóboras moranga. Vicentão corre para apanhar a pelota.
Volta com a bola e uma abóbora bem taluda debaixo do braço. Na lateral, grita para o Butão: " vou jogar na área, vai de cabeça Butão".
Dito isso, jogou a abóbora. Butão entrou de testa com toda vontade. Só não quebrou o pescoço, por falta de tal atributo. Desmaiado, demorou a voltar a si. Jogo encerrado sem vencedor ou perdedor. A tempo de molhar a garganta com boa pinga do Alambique doMozart, um pouco a frente, já nos Catumba. Cumbuca ao volante do Chevrolet não regateou e tocou para lá. A partida ficou na história.

*Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente para o blog Itaúna Décadas em 30/06/2017.

ACERVO: Murilo José e Willian Douglas;