Nos
anos cinquenta do século passado, o matadouro municipal não existia. Havia sim,
algo muito precário, bem na entrada da cidade, onde hoje existe uma ponte que
cruza o rio São João, um pouco antes da passagem de nível e do começo da rua
Silva Jardim.
Ali
se matavam as reses destinadas aos açougues. As tripas e outras partes dos
bovinos que não eram comerciais, eram jogadas na correnteza e o rio se
encarregava de levar. Uma festa para os urubus e para nós, pré-adolescentes.
Era
lá que buscávamos a bexigas. Ótimas bolas para o futebol. Matava-se indiscriminadamente, tanto bois
quanto vacas. Se as fêmeas fossem ruins de leite, o que acontecia com frequência,
em virtude de gado " pé duro", faca nelas. Sem perdão.
Além
das bexigas citadas, a localização do matadouro (sic) era uma benção. Tirante o
gado proveniente daquelas area, a maioria vinha de outras bandas. Tocadas pelos
vaqueiros, as reses tinham de atravessar a cidade. Diversão certa para a
molecada. Diversão maior, quando uma vaca " estourava". Fora do
controle dos vaqueiros, disparava pelas ruas, apavoradas com um ou outro carro
ou caminhão e até mesmo com a presença de pedestres.
E
toca a peãozada a correr atrás dos bichos, a cavalo ou a pé, com a cachorrada
ajudando a campear as reses fugitivas. E junto, a molecada.
O
aviso de " vaca estourada" corria cidade afora, tal qual rastilho de
pólvora. Meninada saindo das casas e correndo para não perder o espetáculo. Com
o alarido, os pobres bichos se assustavam mais. Raiva para os vaqueiros e
alegria da molecada. Cachorrada a latir, mulheres a correr e o tropel dos
cavalos no encalço das fugitivas. Quando alcançadas, às vezes extenuadas,
empacavam e nada as fazia mover.
Os cachorros, treinados para tal, latiam em
redor, mordiam as orelhas e o rabo do boi ou da vaca, até que se levantassem.
Estocadas de ferrão era dada pelos peões e os bichos por fim pegavam a rota.
Para os vaqueiros, apenas um aborrecimento a mais na lida diária. Para a cachorrada,
parte do serviço de campear gado. Para a meninada, diversão grátis, sem gastar
dinheiro. Não tínhamos pena dos pobres animais. Tudo aquilo fazia parte do
nosso mundo e fomos acostumados assim. Não sabíamos avaliar o mau trato aos
animais e os adultos nem ligavam. Muita coisa mudou daqueles tempos pra cá.
Neste caso, para melhor.
Texto:
Urtigão (desde 1943) é pseudônimo de José Silvério Vasconcelos Miranda, que
viveu em Itaúna nas décadas de 50 e 60. Causo verídico enviado especialmente
para o blog Itaúna Décadas em 26/10/2017.
Acervo:
Shorpy
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