segunda-feira, janeiro 23, 2017

DEMOLIÇÃO DA MATRIZ

PARÓQUIA SANT'ANA DE ITAÚNA

Com a permuta das capelas em 1853, sugerida pelos barboneos, frades capuchinhos italianos em missão, o 3º pároco, João Batista de Miranda realizou a troca.

Quando a matriz de Sant’Ana foi transferida para a parte baixa da povoação e a capela do Rosário foi alçada à colina, esta antiga capela da parte baixa, passou por grandes transformações para sediar a matriz.

Na verdade, a antiga capela do Rosário ficou servindo como sacristia da nova igreja; cuja ampliação gerou muitas disputas no arraial (DORNAS, p.22).

 A ampliação da Matriz, se deu a partir do ano de 1854 pelo Pe. João Batista de Miranda que recebeu doações dos moradores do arraial, em sua maioria de ricos fazendeiros. “Acontece, porém, que cada um dos fazendeiros queria a porta principal voltada para o lado da sua fazenda e isso constituiu um impasse insolúvel na época, que fez paralisar por dois anos as obras já iniciadas” (DORNAS, p.22).

Nesse entrevero sobre para onde seria voltada a nova Matriz, o Pe. Miranda fez a proposta: de quem fosse a maior doação seria voltada para suas terras a porta principal.
Iniciada a “disputa santa”, as primeiras árvores abatidas para ampliação da igreja, vieram da fazenda do Alferes Antônio José de Siqueira, que mandou seus carretões puxarem aroeira para a nave.

O Alferes Siqueira era fazendeiro e juiz de paz no arraial, possuidor de manias pitorescas. Possuía vários cavalos, os quais, eram muito bem tratados, mais que a própria família. Aos domingos, saia de sua casa bem vestido usando um vistoso uniforme montado em um de seus cavalos que usava ferraduras de prata, aos galopes, subia até o morro do Rosário para assistir à missa.

Quando havia música no local, pagava e convidava os músicos para irem até a sua fazenda e no caminho, jogava “mancheias de dinheiro” para as crianças que o acampavam. O Alferes Siqueira, era uma figura! Alto, com um grande bigode e sempre calçado com suas impecáveis botas; sua fama e riqueza lhe davam status de respeito por onde passava (DORNAS, p. 22,24,49,50).

Depois, apareceu Dona Maria Fernandes, da fazenda da Bagagem fornecendo a madeira para a torre e os Coelho Duarte deram a madeira que faltava, acompanhada de quinze escravos pedreiros e carpinteiros e mais duzentos mil réis em dinheiro, vencendo assim a disputa.

Os sinos e o relógio da torre foram adquiridos por subscrição popular, inciativa de João Antônio Fonseca. A ampliação da matriz custou a vida de João Júlio César Silvino – carpinteiro - tendo se precipitado ao chão, quando trabalhava nas obras de cobertura da igreja em 1857. No livro de óbitos nº1 consta o lançamento de seu sepultamento no interior da nova matriz, sendo assim o primeiro a ser nela enterrado (DORNAS, 22,24).

Essa disputa, consistia em se querer que, a porta principal do templo, fosse voltada para uma das grandes fazendas (entendendo que assim, as “bênçãos divinas” seriam mais facilmente canalizadas para aquele local aonde a pessoa estivesse morando) envolvendo os notáveis fazendeiros da época: sargento-mor Nicolau Coelho Duarte, tenente-coronel Antônio Lopes Cançado, guarda-mor Antônio de Souza Moreira, tenente José Ribeiro de Azambuja, Sargento-Mor Manoel Gonçalves Cançado, os quais se reuniram para tratar do assunto (DORNAS, p.24).

Bem próximo ao local, havia uma velha e frondosa paineira, quase centenária; assim se concluía pelo seu majestoso porte.  Por não ser árvore nativa, atestava a antiguidade do povoamento do arraial. Era costume os fazendeiros deixarem os seus cavalos sob a mesma, enquanto participavam de atividades religiosas na igreja.

Esse entrevero sobre para onde seria voltada a nova matriz teve, inclusive, um fundo de rixas políticas entre os chimangos (apelido dos liberais) e os cascudos (alcunha dos conservadores). Os primeiros diziam que, a sede dos cascudos seria a velha paineira, por não terem dinheiro e nem local para realizarem suas reuniões; enquanto que, os chimangos desfrutavam de uma vasta propriedade com fartura de guloseimas na casa que pertenceu o senhor Josias Gonçalves, na praça, (DORNAS, p.24) onde atualmente se encontra o edifício “Maria Tereza”.

Nesta “disputa santa” de quem fizesse a maior doação para as obras de ampliação da igreja, ganhou a família dos Coelho Duarte.  O padre Miranda, ainda assim, agiu com prudência abrindo uma porta de cada lado da Igreja Matriz, o que se observa ainda na atual. As obras de ampliação e reforma somente terminaram em 1875, estando à frente dos trabalhos da igreja o 4º pároco, Pe. Antônio Maximiano de Campos, que exerceu um longo e profícuo paroquiato por 39 anos na cidade de Itaúna.

A pintura interna da igreja, foi realizada pelo artista Pedro Campos da cidade de Sabará, auxiliado por Antônio dos Santos – conhecido como Tonho do Bá e com as sucessivas reformas, desapareceram as pinturas do século anterior (DORNAS, p.24).

No ano de 1916, constam grandes reparos nesta Igreja Matriz, realizados pelo Pe. João Ferreira Álvares da Silva e também em 1926, outras reformas pelo Pe. Cornélio Pinto da Fonseca.

Havia bem próximo à porta da Igreja Matriz um cruzeiro de madeira que fora erguido no dia 10 de agosto do ano de 1926 devido as comemorações das Santas Missões em Itaúna, proferidas pelos missionários Pe. Geraldo, Pe. Clemente e Pe. Chrysostomo, “durante 12 dias com muito fruto espiritual” (TOMBO, 13v).  No mesmo ano, o Papa Pio XI publicava uma Encíclica sobre os trabalhos das missões, o Rerum Ecclesiae, promovido pela Pontifícia Obra de Propagação da Fé (ZENIT).

Nestes dias de missões, os trabalhos foram intensos e os resultados, satisfatórios; sendo realizadas: 12.080 comunhões, 4.110 confissões e três casamentos.  O Pe. Cornélio Pinto da Fonseca, que era o 6º pároco de Sant’Anna, registrou no livro da paróquia, informando que muitas pessoas afastadas da prática religiosa confessaram com os missionários e passaram a frequentar a igreja novamente.

O encerramento das missões se deu no dia 22 de agosto de 1926, com uma procissão de 5 mil fiéis aproximadamente, os homens percorreram as ruas ao derredor da Matriz conduzindo a cruz de madeira que havia sido benta pelo Reverendo Pe. Geraldo; enquanto isso, as mulheres ficaram esperando em frente da igreja.

Não se descreve o espetáculo arrebatados que foi quando a Santa Cruz penetrou no Largo: palmas de todas as mãos, vivas calorosos e prolongados de todos os feitos bem fizeram sentir que Jesus com a sua Cruz redentora vive, reina e impera em todos os corações! Como memória perene daquele dia de Santas Missões, cá se conserva na Matriz o mesmo Madeiro da Cruz dirá às gerações vindouras os seus triunfos nos corações de Itaúna (TOMBO, 13V, 14).

Neste mesmo ano, o Pe. Cornélio realizava uma “remodelação da Matriz”, alegando que a igreja estava em condições miseráveis e necessitando de reparos urgentes, cujo, os valores gastos com a remodelação, ultrapassaram os 6 mil contos de réis (TOMBO, p.14).

Em 27 de abril de 1928, chegava à paróquia de Sant’Anna, o 7º pároco, Pe. José Joaquim Batista de Queiroz, que havia deixado a freguesia da Piedade do Paraopeba e que iria substituir o Pe. Cornélio, que havia sido nomeado vigário da Catedral da Boa Viagem em Belo Horizonte.

O novo pároco ao iniciar seus trabalhos, registrou no livro de Tombo ótimas notícias informando que não encontrou dificuldades para dar seguimento ao trabalho deixado pelo Pe. Cornélio — graças ao bom desempenho e organização dos trabalhos deixados junto as associações de sessões para os homens, sessões para mulheres, Cruzada Eucarística, Sagrada Família, obra das Vocações Sacerdotais, entre outras, sendo todas animadas e com grande fervor nas práticas dos ensinamentos.

Sobre a situação da igreja Matriz, o Pe. Queiroz informava que embora pobre e velha, a igreja estava conservada, todavia, estava por demais pequena para a população (TOMBO, p.17,17v).

Consoante as determinações do Revmo. Dom Antônio Santos Cabral, no dia 2 de fevereiro de 1931, tomava posse na freguesia de Sant’Anna de Itaúna, o 8º pároco, o Revmo. Pe. Inácio Fidelis Campos, cuja função antes, era de Coadjutor na cidade de Pará de Minas. Neste mesmo ano, no dia 1º de maio, chegava também o Revmo. Pe.  Ubaldo Anselmo da Silveira, designado pelo Arcebispo para ser Capelão da Santa Casa (antigo Hospital), sendo muito bem recebido pelas Irmãs e internos do local (TOMBO, p.25).

Sobre o estado de conservação da igreja matriz, o Pe. Inácio informou: “urge a construção de um novo templo para satisfazer as exigências espirituais da paróquia. O estado de conservação da atual matriz é deplorável, comporta muito mal o povo e destoa completamente do conjunto da cidade” (TOMBO, p.25v).

A 1º de abril de 1934, o pároco, Pe. Inácio Fidelis Campos achando precário o estado de conservação da igreja matriz, que ameaçava ruir, nomeou uma comissão para resolver a questão. Esta comissão ficou assim formada: Presidente honorário, Dr. José Gonçalves de Souza; Presidente: Dona Maria de Souza Moreira; Vice-presidente: José de Cerqueira Lima; Primeiro Secretário: Dr. Augusto Gonçalves; Segundo Secretário: Mardocheu Gonçalves; Tesoureiro: João de Cerqueira Lima. Achou-se por bem demolir a velha matriz; uma vez que que vinha desde 1853 passando por várias reformas, sem se obter um resultado satisfatório (Tombo, p.34).

 No dia 08 de abril, às 10 horas, foi realizada a transladação das imagens para a recém construída capela Imaculada Conceição (1930) e o Santíssimo Sacramento foi levado para a capela do Rosário, que curiosamente, voltava a funcionar como a Matriz até a conclusão das obras.

A igreja foi limpa e sua chave entregue ao tesoureiro para dar prosseguimento aos planos de demolição. Ainda no ano de 1934, uma sala do solar dos Cerqueira Lima, na rua Silva Jardim esquina com rua Arthur Bernardes (hoje rua Prof. Francisco Santiago) ficou servindo como capela provisória; bem como o antigo Teatro Municipal, na praça da Matriz (TOMBO, p.34, 37v).

Em artigo para uma revista, o Monsenhor Hilton Gonçalves de Souza, expressou sua indignação sobre o não cumprimento de acatar o projeto original da planta dos arquitetos Raffaelo Berti e Luiz Signorelli, o qual, denominou a construção de “aleijão arquitetônico" da nova matriz -  que é, salvo engano – uma deturpação da planta de Signorelli! ” (ACAIACA, p.155).

Segundo informa o Dr. Miguel Augusto Gonçalves de Souza, com a demolição da antiga matriz e a construção da nova, provocou um certo descontentamento nos fiéis, cuja situação,“por determinado espaço de tempo, não muito curto, a comunidade deixou de possuir sua matriz e os cultos religiosos passaram a ocorrer em imóveis não adequados”, contudo, o Dr. Miguel defende a atual construção dizendo que: “não se pode por outro lado, considerar-se “aleijão arquitetônico” a atual Matriz de Santana, com suas linhas clássicas, sóbrias e funcionais como recomendado pelos jesuítas, desde os tempo do grande Manoel da Nóbrega (SOUZA, p.512).

No ano de 2000 foi lançado o livro “Raffaello Berti:projeto memória”, obra póstuma do filho Mario Berti, em comemoração ao centenário de seu pai, contendo seus principais projetos arquitetônicos realizados ao longo de sua carreira profissional, cujo edição, traz uma cópia da planta original da atual Igreja Matriz.

O Pe. José Ferreira Netto chegou a conhecer a velha matriz no ano de 1930, ao visitar em Itaúna um colega de seminário, afirmava que, sua porta principal deveria ser à altura do púlpito, ou seja, corresponderia a quase a metade do atual templo. O Dr. Miguel Augusto Gonçalves de Souza, fundador da Universidade de Itaúna, deixou o registro de sua infância, ao se lembrar da demolição da velha matriz em 1934, quando ao cair das grandes toras de madeira, o levantar-se de nuvens de poeira na praça.

O historiador João Dornas na sua argúcia de pesquisador, não deixou também de escrever sobre as “Lendas e Tradições” de Itaúna, as quais, fazem parte da construção da história de um povo.  Dornas (p.99) diz que: “numa das torres da velha matriz existia um galo de lata, de significação litúrgica. Se caso esse galo, por efeito do vento, voltava o bico para o lado do cemitério, grandes mortandades se verificavam na cidade...”.

O sino grande desta velha igreja encontra-se hoje no Museu Municipal “Francisco Manoel Franco”, com o brasão do Império do Brasil nele grafado.

O pensamento ou a ideia de historicidade ajuda a perceber a ação humana através dos tempos e a reconhecer o passado, porque, ele fornece elementos para entender o presente. Com isso, a História passa a fazer parte de nossas vidas, porque somos seu sujeito e a transformamos; e seu objeto, porque ela própria nos modifica (BOSCHI, p.10,11).




REFERÊNCIAS:

AGENZIA FIDES: Órgão de Informações das Pontifícias Obras Missionárias desde 1927. Disponível em:  < http://www.fides.org/pt/news/60879-VATICANO_Outubro_Mes_Missionario_e_90o_Dia_das_Missoes#.WIE8efkrKUk   > Acesso em: 19/01/2017. 

BERTI, Mário (Obra Póstuma). Raffaello Berti: projeto memória, BH, AP Cultural, 2000.

BOSCHI, Caio César. Porque estudar História? São Paulo, Ática, 2007.

FILHO, João Dornas. Itaúna: Contribuição para a história do município, 1936.

LIVRO DO TOMBO: Paróquia de Sant’Anna de Itaúna -  15/09/1902 a 31/12/1947.
Paróquia Sant’Anna Itaúna. Disponível em: < http://www.paroquiadesantana.com.br/site/index.php/2015-12-01-14-05-07/galeria-de-parocos   >. Acesso em: 19/01/2017.

Revista Acaiaca, Org. Celso Brant, BH,1954.

SOUZA, Miguel Augusto Gonçalves de. ITAÚNA: sua trajetória política, social, religiosa, econômica e cultural, desde a criação do Arraial de Santana do São João Acima, em 14 de outubro de 1765, até a data do centenário de instalação do município: 1765-2002. BH: Santa Clara, 2002.

ZENITE: O mundo visto de Roma. Disponível em: < https://pt.zenit.org/articles/jornada-internacional-das-missoes-uma-genial-intuicao-de-pio-xi/   >. Acesso em: 19/01/2017.

ACERVO: Paróquia de Sant' Anna de Itaúna

PESQUISA, RESTAURAÇÃO E ELABORAÇÃO: Charles Aquino, graduando em História, 7º período, UEMG/Divinópolis/ MG.

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